quinta-feira, 7 de outubro de 2010

'A classe operária vai ao paraíso'


Como se não bastasse eu me deixar levar por aquela sensação gostosa de sentir o chão cru com os pés e notar quão sensível minhas mãos ficavam quando levemente se arrastavam os dedos no corrimão das escadas , tive que conviver com aqueles olhos que todos os dias me analisavam dos pés, paravam milésimos de segundos na minha cintura, e se terminava nos meus olhos.

Era assim que ele me via e não tinha menor pudor em acordar-me às 5 horas e 30 minutos da manhã mesmo que na noite passada tenha precisado dormir tão tarde por conta dos afazeres universitários. Sempre pontual, as vezes agredindo, me levava até o sofá na tentativa de 'enganar' meu sono, arrastava-me até o banheiro e fazia com que eu me arrumasse tão cedo para esperá-lo.

-Nathane, ele já chegou!
Minha mãe gritava. Talvez ela estivesse feliz, pois agora eu o tinha, embora com bastante sofrimento, ou talvez ela só estava feliz por eu estar viva!

Frio, musicava meus ouvidos com canções que eu não gostava e comentários dignos de serem ignorados, mas eu sorria, sentia-me forçada a sorrir.

TIC TAC TIC TAC TIC TAC esse era o som que me perturbava o dia todo.

Tem pão com manteiga, café sem açúcar, as vezes sopa, as vezes fruta, era isso que ele me oferecia , eu agarrava com afinco como se fosse tudo que me sobrasse naquele fiel horário e agradecendo por me tirar o hábito de não tomar café da manhã.

"Mas corre", essa era a condição.
"Bate o ponto", essa era a obrigação.
"Não senta, não conversa, não sorri! eu estou vendo, eu não quero nada disso"

Era assim todo dia, e enquanto eu obedecia fielmente todas as ordens esperava o melhor momento, o almoço que era coisa de rei (exagero).
Comia, deitava, não dormia, não conseguia, o tempo era pouco e ele queria que eu ficasse de pé, e eu somente pensava nos interesses, muito embora sempre fizesse questão de não ser interesseira.

"Vai, te mata, para de reclamar, tu tens que aguentar" eu pensava, eu pirava, enquanto voltava a fazer tudo de novo, do mesmo jeito, mas sem muito dom, na verdade procurava por um dom já fazia tempo...

Cansada ficava cara a cara com o relógio morrendo de vontade que esse dia se acabasse pra poder estudar e fazer o que gostava, chegar em casa e dormir pra que noutro dia ele me pegasse de novo, da mesma forma, e pior : pagando mal!

Foi assim que começou minha vida de proletariada que não se sabe bem até quando sobreviverá (tomara que pouco!) ...

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