segunda-feira, 17 de maio de 2010

Aqui há paz e alegria.

-Mas eu não volto ao passado!
Ela grita já brava. Pega o carro que estava dirigindo naquela noite e vai embora. Mas abandona depois, porque acha que o carro que não era seu, fazia parte da vida que não era sua, do momento que não era pra ser vivido, do cigarro que não era pra ser fumado pois sabia do mal que faria a sua garganta arranhada por um blues mais cedo.
Desceu, deixou os vidros abertos, e tudo ligado, mas não foi propositalmente, nem percebeu que tudo estava passando. Seguiu, andou pouco, seu dia havia sido cansativo, mas feliz.
Quando finalmente respirou fundo, percebeu que tinha andado bem menos que achava ter andado, então subiu no ônibus, ele estava vazio, várias cadeiras vagas, alguns bêbados, havia músicos também, e trabalhadores felizes por estar voltando pra casa. Mas ela? só tinha medo, medo de ser atacada, mesmo sabendo que nem era bonita, mesmo sabendo que realmente estava acabada, como alguém havia comentado horas atrás. Falou sozinha, nem percebeu, estava com a voz rouca, mas feliz.
Subiu a ladeira, encontrou travecos, encontrou crianças, encontrou ladrões. Mas ninguém a percebeu. Ela até achava que estava invisível, e continuava com medo de ser atacada.
Quando entrou em sua rua achou ter ouvido vozes, mas não é que ouviu? ouviu sim, de um flamenguista e de um descamisado que olhava pras pernas da vizinha que acabou de correr pra pegar seu cachorro fujão. Chegando mais perto percebeu que a maioria dos seus vizinhos estavam na rua bebendo e comemorando sabe-se la o que, esse povo sempre comemora alguma coisa, menos eu, ela pensou, mas ficou feliz porque ela não decora almanaques pra parecer inteligente e muito menos discursa o quanto as pessoas devem ser éticas sem saber se podem ser sempre ou quase nunca, sabendo que a honestidade exige desafios. Ela tá feliz, mete a chave na porta, tira cuidadosamente as botas com chulé, e aliviada, agradece por estar intacta física e emocionalmente. Toma uma banho e descansa, mesmo com a garganta insistindo em coçar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário